Cinco anos após o rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), e mais de oito anos após o acidente de Mariana (MG), devido ao rompimento da Barragem do Fundão, os acordos de reparação aos envolvidos apresentam andamentos muito diferentes.
O ocorrido em Mariana é considerado um dos maiores desastres socioambientais do país, com o rompimento da barragem da mineradora Samarco despejando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, atingindo também os rios Gualaxo do Norte, Carmo e toda a extensão da calha do Rio Doce, até o litoral do Espírito Santo.
Em Brumadinho, além dos impactos ambientais, 272 pessoas morreram no acidente. A cidade, situada na região metropolitana de Belo Horizonte, dista apenas 55 quilômetros da capital e abriga o maior museu a céu aberto do mundo, o Inhotim.
Apesar de a tragédia de Brumadinho ser mais recente, os acordos de reparação estão mais adiantados do que os de Mariana. A secretária de Planejamento de Minas Gerais, Luísa Barreto, explica que a negociação para o acordo de Brumadinho contou, desde o início, com uma proposta de bloqueio de valores nas contas da Vale, elaborada pela Advocacia-geral do Estado, para que fossem executadas ações emergenciais de contenção de danos ao meio ambiente e de auxílio à população diretamente prejudicada.
“Esse processo foi benéfico, pois conseguiu dar respostas rápidas aos problemas. O que poderia ter acontecido foi minorado porque tivemos ações e tomadas de decisões rápidas em relação a valores emergenciais para os atingidos. E enquanto tratávamos dessas questões mais emergenciais, nós começamos a delinear um plano de reparação pensando no médio e longo prazo”, afirma.
Outro ponto importante ressaltado pela secretária foi o desempenho da Defensoria Pública de Minas Gerais, que atuou na elaboração de acordos para os atingidos, permitindo que as pessoas fossem indenizadas rapidamente, o que evitou processos morosos no judiciário. “As pessoas não eram obrigadas a aderir a esse acordo, mas quem aderiu foi indenizado de forma bastante rápida, e aí restam poucos processos na justiça”, comenta.
No último mês de janeiro foi apresentado um balanço das ações executadas desde a assinatura do acordo em 4 de fevereiro de 2021, envolvendo o governo estadual, órgãos jurídicos e a mineradora Vale S.A.
Avaliado em R$ 37,68 bilhões, o acordo delineia uma série de medidas reparatórias e preventivas buscando mitigar o impacto social, econômico e ambiental, e tem duas frentes: a socioeconômica, que cuida de transferência de renda, implementação de programas de microcrédito e fortalecimento dos serviços públicos em Brumadinho e demais cidades da bacia do Rio Paraopeba; e a socioambiental, que foca no trabalho de recuperação de fauna, flora e segurança hídrica.
Dentre os trabalhos realizados no acordo de reparação, destaca-se o Programa de Transferência de Renda, sob gestão das instituições de justiça, que destina, em média, R$ 648 para as pessoas residentes nas regiões afetadas, sem necessidade de comprovação de dano sofrido.
O defensor público Antônio Lopes de Carvalho Filho afirmou na ocasião da divulgação dos resultados que esse é um programa com resultados expressivos. “É um sistema que presume o dano da pessoa e entrega uma reparação para que ela consiga, pelo menos, ter um mínimo existencial para ter uma vida digna em nosso país”, afirma.
Outro destaque do acordo está na ausência de teto para o Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba, sendo a Vale responsável por reparar todos os danos constatados, que são objeto do acordo firmado em 4 de fevereiro de 2021, e devolver o meio ambiente em condições de qualidade ambiental iguais ou melhores do que as anteriores ao acidente.
Para Luísa Barreto, o sucesso do acordo está na estruturação, que levou quase dois anos, mas trouxe ações específicas para cada uma das partes afetadas. “O acordo é bastante completo e complexo. E cada rubrica dele, cada item de despesa, tem formas diferentes de execução. Então, há ações que são de responsabilidade da própria empresa e da Vale, ações que são de responsabilidade das instituições de justiça, ações de responsabilidade do governo de Minas. Esse acordo tem uma governança muito mais simples para cada um desses itens, o que tem nos permitido ações rápidas. Temos ordem de início de projetos, projetos concluídos e ações realizadas em todos os municípios”, afirma.
Além dos projetos para Brumadinho e as cidades da bacia do Rio Paraopeba, há 56 projetos de compensação ao estado em execução, podendo-se destacar 35 trechos de estradas concluídos e os projetos de vários hospitais regionais.
Joias de Brumadinho
Durante a divulgação de dados, o secretário-adjunto de Planejamento e Gestão de Minas Gerais e coordenador do Comitê Pró-Brumadinho, Luís Otávio Milagres de Assis, destacou três compromissos do governo na execução do acordo, fundamentado tanto no respeito às vítimas quanto na fiscalização e transparência.
“O primeiro é de respeito e de solidariedade às famílias das 272 vítimas fatais. Já são 1,8 mil dias de operação de busca que vai continuar até as três joias serem encontradas. O segundo compromisso é o de fiscalização absolutamente rigorosa da empresa para que todos os compromissos sejam executados. Neste sentido, contamos com três das maiores empresas de auditoria do mundo. Por fim, o terceiro compromisso é o de transparência, com todos os projetos e o acompanhamento deles divulgados na internet”, afirmou.
As vítimas do acidente passaram a ser chamadas de “joias de Brumadinho” nas homenagens realizadas. O número total de vítimas inclui os bebês de duas gestantes que morreram no acidente.
Desde o dia do acidente, as buscas só foram interrompidas durante os meses iniciais da pandemia de Covid-19, em 2020.
Em 8 de fevereiro deste ano, durante a inauguração da nova sede do Instituto de Identificação da Polícia Civil de Minas Gerais, em Belo Horizonte, foi instalada uma placa em homenagem às vítimas. O instituto atuou na identificação das 267 pessoas encontradas, usando desde exame de papiloscopia até antropologia forense, que é a análise de particularidades do indivíduo que permitem sua identificação.
Caso de Mariana tem sido mais lento e enfrenta guerra de laudos
Diferente da agilidade que se vê no cumprimento do acordo de Brumadinho, no caso de Mariana tudo tem sido mais lento e burocrático. As negociações foram suspensas em 5 de dezembro de 2023 por uma divergência entre o valor oferecido pelas mineradoras e suas acionistas, e o montante requisitado pelo governo. Samarco e acionistas ofereceram R$ 42 bilhões, que seriam divididos entre os municípios atingidos e parcelados em oito anos.
O governo demonstra insatisfação com o processo, afirmando que é preciso uma reparação justa e célere. Luísa comenta, ao comparar com o acordo de Brumadinho, que um dos problemas do Termo de Transição e de Ajustamento de Conduta no caso de Mariana é a existência de um comitê interfederativo do qual participam o governo de Minas, do Espírito Santo, União e as instituições de justiça, além de prever uma participação dos municípios atingidos. “É uma instância colegiada muito grande, com uma tomada de decisão muito morosa”, comenta.
A secretária de Planejamento cita também que o acordo de Mariana prevê que qualquer ação por parte das empresas deve ser precedida de comprovação de nexo de causalidade, ou seja, que tenha estudos que mostram o impacto do desastre sob diversos aspectos, como saúde e meio ambiente, em comparação à situação anterior, algo que foi dispensado do acordo de Brumadinho. “Nós sabemos que a saúde pública vai ter que ser fortalecida, independentemente de eu comprovar que o adoecimento é maior ou menor, a gente sabe que vai ter um adoecimento maior da população”, aponta ela.
Por esse motivo, muitas ações deixam de ser efetivadas e são constantemente questionadas no judiciário, exigindo comprovações e laudos técnicos. “Quando você comprova um nexo de causalidade, por exemplo, você precisa de um laudo. Esse laudo para ser feito demora alguns anos e as empresas questionam o tempo todo na justiça, produzem outros laudos e a gente fica em uma guerra de laudos”, diz a secretária.
Além dos graves danos ambientais, o rompimento de Fundão em novembro de 2015 provocou a morte de 19 pessoas, destruiu os distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, e impactou a vida de aproximadamente 2,3 milhões de pessoas ao longo dos 38 municípios mineiros e 11 municípios capixabas atingidos pelo desastre. Em termos ambientais, a pluma de rejeitos destruiu a vegetação e a fauna terrestre e aquática, revolvendo os sedimentos do rio e impactando o abastecimento de água das cidades que captavam no rio Doce. Nesse sentido, é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil.
Em 21 de fevereiro, em uma coletiva de imprensa realizada em Belo Horizonte, os prefeitos que integram o Fórum Permanente de Prefeitos da Bacia do Rio Doce, através do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), posicionaram-se oficialmente sobre a paralisação das negociações referentes ao acordo.
Em carta aberta, o grupo repudia o que chama de “desinteresse e descompromisso das empresas Vale, BHP Biliton e Samarco na busca por uma justa reparação para os municípios e para todos os afetados”. Os municípios também requerem a participação do Coridoce na mesa de negociação para que ponderem tanto sobre a participação de empresas e cidadãos nas tomadas de decisão, como nos valores das indenizações. Sobre estas, os municípios ponderam que é fundamental estabelecer patamares mínimos para que sejam valores mais justos.
O que dizem as empresas sobre os acordos de Mariana
Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a Vale esclareceu que, como acionista da Samarco, continua comprometida com a repactuação e tem como prioridade as pessoas atingidas. Em nota, a companhia informou que “confia que as partes chegarão a bons termos quanto ao texto que vem sendo conjuntamente construído antes de definir o valor global do acordo. Como parte do processo de negociação, a companhia está avaliando as soluções possíveis, especialmente no tocante à definitividade e segurança jurídica, essenciais para a construção de um acordo efetivo”.
Também em nota, a Samarco informou que mantém o compromisso com a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem do Fundão e que, com o apoio dos acionistas (Vale e BHP Brasil), presta suporte para que a Fundação Renova – criada pelas mineradoras para administrar a reparação e compensação de danos – execute as ações previstas.
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